A foto é testemunha da satisfação do paciente
Continuando a vasculhar nos
longínquos anos de oitenta e ainda no cumprimento do serviço militar
obrigatório, no exercício da especialidade de socorrista na Casa de reclusão de
Elvas, recordo alguns “prazeres”.
Como referi anteriormente sempre
senti uma certa apetência para a área da saúde. Sentia curiosidade, para além
do gosto, sentia que tinha sensibilidade suficiente e necessária para tentar
ajudar os outros.
Não lamento, nem me arrependo dos
caminhos que a vida me levou, podiam ter sido outros, mas não foram, há que
aceitá-los e tirar o maior proveito e prazer deles. Modéstia à parte, acho que,
se o meu caminho tem sido o da saúde, daria com toda a certeza, um óptimo
enfermeiro.
Embora hajam mais de quarenta
anos que não mexa numa compressa, numa seringa e agulha, em desinfectantes etc.
para além do trivial do nosso dia-a-dia, de colocar um penso rápido, numa ou
outra ferida que façamos, apesar de todo este tempo decorrido, ainda me lembro
bem da forma correcta de limpar uma ferida, de como imobilizar correctamente um
membro, de como apertar o garrote, especialmente no pescoço, de alguns se
necessário, ahahah… de como fixar uma ligadura numa perna, sem que ela caia e
sem usar adesivos e se necessário dar uma injecção quer subcutânea quer
intravenosa.
Alguns dirão: - “gaba-te cesta
que vais à vindima”, pois que seja, o meu auto convencimento vem dos elogios
quer dos superiores hierárquicos quer dos camaradas que então prestaram serviço
comigo.
O posto de socorros/enfermaria da
Casa de Reclusão ficava no claustro interno que, servia de pátio/recreio dos
reclusos e que também dava acesso ao Tribunal Militar De Elvas.
Todos nós, em alguma situação de
maior desilusão, já dissemos que, a vida de preso é que é boa, não fazemos nada
e temos cama, comida e roupa lavada. A verdade é que nenhum de nós,
conscientemente, a quer experimentar.
Porque vivi um período da minha
vida, directamente com presos, eu não a quero para mim, nem consciente nem
inconscientemente. Os “pobres coitados” porque não tinham nada que fazer,
entretinham-se a chatear as cabeças dos socorristas, inventando doenças e
outros achaques.
Porque eu tinha uma paciência de
Job, comparada com a dos outros socorristas, era vê-los a espreitarem o momento
em que eu estava de “socorrista de dia”, para me irem pedir tudo e mais alguma
coisa. Entenda-se, este “tudo e mais alguma coisa”, eram medicamentos
ansiolíticos.
Estes medicamentos, quer fossem
orais quer fossem injectáveis, como é óbvio, só podiam ser ministrados com
prescrição médica.
Não é fácil lidar com esta
população. Em algumas ocasiões, havia fortes indícios, de alguns comportamentos
descambarem em violência.
Narrei muitos desses
comportamentos aos médicos, muitos dos que por lá passaram eram aspirantes
médicos, sendo um deles, mais permanente, o Dr Melo e Sousa.
Era o único socorrista, incluindo
o sargento enfermeiro, que tinha ordem expressa de, sempre que visse uma
situação de, “caso mal parado”, injectasse uma ampola de água destilada. Em
último recurso, se visse que a situação assim o exigia, ministrasse mesmo o
medicamento.
Mas, o meu “prazer maior” era
antes da injecção, mostrar uma agulha de seis centímetros. Uma autêntica
bisarma.
Naquela altura, haviam
especialmente dois medicamentos que eram muitos ministrados por via subcutânea.
Um era a mistura de “Ricon e
Commel”, acho que eram assim que se chamavam, ambos muito oleosos, o que a
tornava muito difícil de ministrar. O outro, à base de penicilina, que antes tínhamos
de diluir com uma ampola de água destilada, no respectivo frasco que continha o
pó. Por mais que agitássemos o frasco, era dificílimo fazermos uma diluição
eficaz, de modo a conseguir-se injectar todo o líquido de uma só vez utilizando
uma agulha mais pequena, logo mais fina. Acontecia-me, muitas vezes, ter de
espetar mais de uma agulha, para conseguir injectar todo o líquido, o que, para
além de poder provocar alguma dor no paciente, era incomodo para mim e para
ele.
Já farto, de tantas vezes ver
entrar metade do líquido, enquanto que a outra metade escorria, literalmente,
pelas nádegas, ia dizer nalgas, do paciente, decidi aventurar-me, porque
constituía um desafio, espetar a dita cuja de seis centímetros.
Então não é, que a dita cuja,
entrou até ao ”tutano”. Não, não chegou a entrar no osso, havia muita carne
antes…entrou até à parte metálica, ou seja só se via a cabeça da agulha.
Fiquei radiante. Consegui
injectar todo o líquido de uma só vez e uma só picada.
O próprio paciente também ficou
satisfeito por o ter picado apenas uma vez e não ter sentido nada.
Quando lhe mostrei a agulha, nem
queria acreditar, vi jeito de ele desmaiar. Ahahah
A partir daí passou a ser a minha
agulha preferida. Para além do prazer que me dava mostrá-la, antes de a
espetar, divertia-me imenso ver a cara deles de espanto e temor, ao ponto de
alguns, inicialmente se recusarem a que eu a espetasse.
Mas todos tinham de levar com ela…ahahah. Acabaram por
gostar e, só queriam que fosse eu a espetá-los…ahahahah