sábado, 17 de dezembro de 2022

Desfiando memórias

 

Elvas, cidade que me viu nascer e onde fui criado até aos vinte e três anos, altura em que “emigrei”, embora internamente, para dar início à minha vida profissional que abracei por mais de trinta anos.

Em vinte e três anos criam-se inúmeras memórias, felizmente todas boas. Sinceramente, fiz um esforço de memória, nessa mesma memória, e não encontrei uma que pudesse classificar de má memória.

Sorte a minha, dirão uns. Certamente devo ter tido não sorte, mas muita sorte. Sempre fui agradecido à vida e continuo a sê-lo. Ela devolve-nos sempre, muito mais do que aquilo que lhe damos e eu tenho recebido muito.

Mas, não é sobre o que tenho dado e recebido que quero falar.

Vou falar/contar uma dessas muito boas memórias.

Nasci e fui criado numa casa ínfima, mas onde sempre cabia mais um e éramos muitos, muitos mesmo, especialmente por alturas do Natal.

A minha mãe adorava ter a casa cheia e como não cabíamos todos dentro, ocupávamos o quintal. Era uma cozinheira de “mão cheia” e os seus cozinhados eram apreciados por todos e por isso, quando se falava em Natal a “escolha” recaia sempre na casa da Josefa.

O dia e a noite de consoada eram passados no quintal à volta de um grande lume, com grandes troncos de azinho que o meu cunhado Carlos se encarregava de trazer previamente. A mim, cabia-me acender a fogueira e estender um toldo a fazer de tecto, para evitar a cacimba e a geada que nesta época era muita.   

Antes destes dias, e porque também havia um canavial no ribeiro próximo da casa, também me cabia ir apanhar umas canas, o mais finas e resistentes possível, para se fazerem as roncas. Havia roncas para toda a gente, e se não havia manilhas de barro e peles ou papos de perú suficientes, faziam-se roncas com latas voltadas ao contrário ou seja o fundo da lata servia de “pele” e “roncavam” ui se roncavam…

Não havia trocas de presentes, estes eram só para os mais novos da família, uma “lembrancinha”. Eu, e penso que os meus sobrinhos de então, por sermos os mais novos, não guardamos na memória nenhuma lembrancinha, mas tenho a certeza que eles, como eu, guardamos as maiores lembranças destes tempos vividos em família.

Passaram-se muitos Natais assim, harmoniosos e felizes.

Por nos últimos anos de vida da minha mãe já não haver condições para estas reuniões familiares na sua casa, passou-se a comemorar em casa da Rita, a minha irmã mais velha.

Depois, bom depois… em maio 1987, dá-se o maior desgosto da minha vida até hoje.

Aquela que reunia e congregava toda a família e amigos deixa-nos órfãos.

Nesse ano, ainda nos reunimos em casa da minha irmã Rita. Mas, para mim, já não era o mesmo Natal.

Deixei de “comemorar” natais.

Entretanto casei, tive filhos e os Natais são passados em minha casa com pouca gente.

Os meus filhos não sabem o que é “cantar ao menino” à volta de uma enorme fogueira.

Os meus filhos não sabem o que é percorrer as ruas da cidade de Elvas, pela madrugada fora, na noite de 24 de dezembro a cantar ao menino e a bater às portas.

Tenho saudade, muitas saudades desse tempo…sinais de velhice por ventura, e sinto muita pena, alguns remorsos, e talvez alguma culpa de não ter criado nos meus filhos as memórias que os meus pais criaram em mim.
Sejam felizes 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O abreviar da vida versus O acelerar da morte

 

Uma vez mais, estamos a ser confrontados com a aprovação na assembleia da república da “lei da eutanásia”.

Constituição da República Portuguesa

 Artigo 24.º – Direito à vida

1 - A vida humana é inviolável.

2 - Em caso algum haverá pena de morte. 

Não sendo jurista ou formado em leis, parece-me claro que, antes de haver quaisquer discussões e aprovações no parlamento sobre a eutanásia, deveria proceder-se à revisão constitucional de entre outros, este artigo em concreto, sob pena de qualquer legislação sobre este assunto, à semelhança de muita outra vir a ser “inconstitucional”, mas para isso, temos os “experts”, na assembleia da república, a serem pagos a peso de ouro.

Preferem, à semelhança de muitas outras, começar a “casa pelo telhado” em vez de, primeiro, lançarem os alicerces.

O presidente da república já vetou por duas vezes esta mesma lei, será que vai haver uma terceira? Não faço prognósticos, mas quase que aposto que desta é que vai…já diz o povo “à terceira é de vez”…

Cada um terá o seu argumento, quer seja religioso, e este talvez o mais forte, político, humanista, o que for, para defender ou não a prática da eutanásia.  

Mas, o que é isto da eutanásia? Eutanásia consiste na conduta de abreviar a vida de um paciente em estado terminal ou que esteja sujeito a dores e intoleráveis sofrimentos físicos ou psíquicos. https://www.significados.com.br/eutanasia/ 

Etimologicamente, este termo se originou a partir do grego eu + thanatos, que pode ser traduzido como “boa morte” ou “morte sem dor”.

Ainda,

A eutanásia é a acção ou omissão que acelera a morte de um paciente condenado com o intuito de evitar e prolongar o seu sofrimento. O conceito está associado à morte sem sofrimento físico. https://conceito.de/eutanasia

Historiadores apontam que a eutanásia é um tema bem antigo, já discutido entre os filósofos gregos Platão e Sócrates, de maneira que os povos primitivos já a praticavam no caso de doenças incuráveis, por exemplo, os celtas, os indianos, dentre outros.

Postos estes conceitos, podemos dizer ou concluir de uma forma resumida e simplista que a eutanásia não é mais que, o “abreviar a vida” ou o “acelerar a morte” para evitar o sofrimento quer físico quer psíquico.

É claro que, quando se pensa no “abreviar a vida” ou no “acelerar a morte” há gostos para todos, quer dizer, há os que defendem e os que atacam. Para já, e neste momento, para que não restem dúvidas a quem quer que seja, quero deixar declarado que sou a favor do abreviar da minha vida ou seja, no acelerar da minha morte, se chegado esse momento.

O que esta lei põe em discussão, é se cada um de nós, em caso de sofrimento atroz, quer físico quer psíquico e esgotadas à luz da ciência actual, todas as possibilidades de melhoria e qualidade de vida, tem ou não, em consciência, o direito de livremente pedir que abreviem a sua vida ou acelerem a sua morte.

Ah! sim, tem os cuidados paliativos, esta deve ser a aposta….bla…bla…bla…eu cago nos serviços paliativos, se chegado o momento, isso significar continuar a sofrer, física, emocional ou psiquicamente. Quero ter o direito de pedir que me abreviem a vida e se eu não o conseguir exprimir de uma forma perceptível quero deixar essa opção às pessoas que me querem bem e que sabem que eu nunca aceitarei viver nessas condições.

Se todos temos garantida a morte, com esta possibilidade de opção, eu não estou a escolher a morte, estou a abreviar a vida. É tão simples quanto isso.

E depois, para os mais crentes, e que têm a promessa e a convicção da chegada ao paraíso e à vida eterna, não sentem ansiedade de chegarem o mais breve possível? E desfrutar de todo esse REINO.

A hipocrisia dos moralistas políticos e de alguns seres “humanos” é tão grande e repugnante que, com a capa de cristãos e católicos apostólicos romanos, rejeitaram e votaram contra esta lei, mas não se envergonham de defender a castração química, a prisão perpétua, quando sabem que cientificamente estas soluções não evitam que os mesmos abusadores/criminosos continuem a abusar. Se nós lhes dermos palco, tempo e votos brevemente irão defender a pena de morte, porque para este já é possível, são escória, não são seres humanos.

A mim repugna-me muito mais, a aprovação de uma lei de inseminação pós morte, do que esta que, como se diz atrás, mais não é que o abreviar da vida, mediante determinadas circunstâncias.

Não, esta lei não é um salvo conduto para o homicídio, não deve, nem tem de ser.

Não é o “assassinato” dos velhinhos.  

Não pensem que esta minha defesa, pelo abreviar da vida ou acelerar a morte, que, a acontecer, são opções e decisões fáceis, não, não são. São bem difíceis, mas, para que se torne mais fácil é preciso pensar nela e saber que essa opção existe.

Actualmente existem três países onde a eutanásia é legal.

Holanda desde abril de 2002;

A Bélgica no mesmo ano, incluive desde 2014 com a eutanásia a menores

Luxemburgo 2009

Na Suiça, país erradamente associado à eutanásia, a prática é punível com prisão.

O que a lei Suíça permite desde 1940 é o suicídio assistido. 

Para terminar,

que este texto já vai longo e não costumo escrever tanto, porque sei que poucos ou quase ninguém o lê até ao fim,

Termino por hoje,

Tenho muita vontade de viver neste “paraíso” terreno que é o que conheço, com qualidade de vida, sem sofrimento físico nem psíquico nem emocional, com a convicção que, “antes dos cem ninguém me leva, nem morto” e como eu gosto de acrescentar nem “Lá” o de cima me leva.