Elvas, cidade que me
viu nascer e onde fui criado até aos vinte e três anos, altura em que “emigrei”,
embora internamente, para dar início à minha vida profissional que abracei por
mais de trinta anos.
Em vinte e três anos
criam-se inúmeras memórias, felizmente todas boas. Sinceramente, fiz um esforço
de memória, nessa mesma memória, e não encontrei uma que pudesse classificar de
má memória.
Sorte a minha, dirão
uns. Certamente devo ter tido não sorte, mas muita sorte. Sempre fui agradecido
à vida e continuo a sê-lo. Ela devolve-nos sempre, muito mais do que aquilo que
lhe damos e eu tenho recebido muito.
Mas, não é sobre o que
tenho dado e recebido que quero falar.
Vou falar/contar uma
dessas muito boas memórias.
Nasci e fui criado numa
casa ínfima, mas onde sempre cabia mais um e éramos muitos, muitos mesmo,
especialmente por alturas do Natal.
A minha mãe adorava ter
a casa cheia e como não cabíamos todos dentro, ocupávamos o quintal. Era uma
cozinheira de “mão cheia” e os seus cozinhados eram apreciados por todos e por
isso, quando se falava em Natal a “escolha” recaia sempre na casa da Josefa.
O dia e a noite de
consoada eram passados no quintal à volta de um grande lume, com grandes troncos
de azinho que o meu cunhado Carlos se encarregava de trazer previamente. A mim,
cabia-me acender a fogueira e estender um toldo a fazer de tecto, para evitar a
cacimba e a geada que nesta época era muita.
Antes destes dias, e
porque também havia um canavial no ribeiro próximo da casa, também me cabia ir
apanhar umas canas, o mais finas e resistentes possível, para se fazerem as roncas.
Havia roncas para toda a gente, e se não havia manilhas de barro e peles ou
papos de perú suficientes, faziam-se roncas com latas voltadas ao contrário ou
seja o fundo da lata servia de “pele” e “roncavam” ui se roncavam…
Não havia trocas de
presentes, estes eram só para os mais novos da família, uma “lembrancinha”. Eu,
e penso que os meus sobrinhos de então, por sermos os mais novos, não guardamos
na memória nenhuma lembrancinha, mas tenho a certeza que eles, como eu, guardamos
as maiores lembranças destes tempos vividos em família.
Passaram-se muitos
Natais assim, harmoniosos e felizes.
Por nos últimos anos de
vida da minha mãe já não haver condições para estas reuniões familiares na sua
casa, passou-se a comemorar em casa da Rita, a minha irmã mais velha.
Depois, bom depois… em
maio 1987, dá-se o maior desgosto da minha vida até hoje.
Aquela que reunia e
congregava toda a família e amigos deixa-nos órfãos.
Nesse ano, ainda nos
reunimos em casa da minha irmã Rita. Mas, para mim, já não era o mesmo Natal.
Deixei de “comemorar” natais.
Entretanto casei, tive
filhos e os Natais são passados em minha casa com pouca gente.
Os meus filhos não
sabem o que é “cantar ao menino” à
volta de uma enorme fogueira.
Os meus filhos não
sabem o que é percorrer as ruas da cidade de Elvas, pela madrugada fora, na
noite de 24 de dezembro a cantar ao menino e a bater às portas.