quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Ciclos

 

Todos nós sabemos que a vida é um ciclo e feita de ciclos. Temos o ciclo da infância e dentro deste, outros ciclos, da amamentação, da aprendizagem, das birras enfim por aí afora. Depois vem o ciclo da adolescência do qual faz parte, a puberdade, com tudo o que ela nos traz, continuam as birras, as exigências, o posso, o quero, o eu é que sei… segue-se o ciclo da fase adulta, maduro, neste ciclo já não há birras, já não há exigências, já não há o posso, já não há o quero, já não há o sei, este ciclo é uma maravilha, passa a haver só condescendência, altruísmo, compreensão. Deixamos tudo para e por conta dos outros “Peace and love”.

Os que me acompanham, gritam-me ao lado.

- Oh, não!

- Eu continuo a ter birras, e que birras!  

- Eu continuo a exigir e principalmente de mim.

- Eu continuo a querer, e quero cada vez mais, não facilito, não compactuo com o que não é justo e correto, não me conformo com o facilitismo …

- Não deixo para e por conta dos outros, deixo para mim e por conta de mim.

As vozes que me gritam ao lado, parece que vêm de dentro de mim, da minha alma, do meu sentir, parafraseando um pouco uma querida amiga que gosta muito de utilizar “os sentires”.

Neste ciclo de adulto, quase quase, a abrir as portas do forno eléctrico, para a eternidade, de adulto inconformado, birrento, prepotente, mas, também de adulto responsável, uno, com carácter acaba de abrir a porta da antecâmara que o mantinha prisioneiro.

Uma “prisão” de nove anos, dos quais, os últimos cinco, de quase claustrofobia.

Foram anos intensos de “Dádiva e de partilha”, nos quais investiu muito do seu tempo, do seu saber, da sua voluntariedade, do seu querer e do seu crer. Neste fechar e abrir de porta sente-se realizado, e, sereno com o seu sentir. Outros se sintam tão felizes e serenos.

Outros ciclos e outras portas se irão abrir antes que a porta definitiva se feche.


domingo, 6 de setembro de 2020

Ensaio sobre a surdez e sobre a cegueira

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

(José Saramago)

Se podes ouvir, ouve. Se ouves, escuta.

(isidro Santos)

Esclarecimento

O texto que se segue não é uma tentativa de plagiar os autores de “Ensaio sobre a cegueira” do prémio Nobel – José Saramago e tão pouco outros autores que escreveram os “Ensaios sobre a Surdez” – José António Arruda e o maestro António Vitorino de Almeida, longe de mim, pretender equiparar-me, a tão nobres autores.

Após as “férias” prolongados devido à pandemia e ao medo intrínseco, ainda latente, de se ficar infectado com o covid 19 e cumpridas todas as medidas de desinfecção dos locais, distanciamento de no mínimo dois metros, gel desinfectante à entrada do recinto e utilização de “açaimo humano”, reuniram-se no dia três de Setembro, numa sala suficientemente grande, umas treze ou catorze pessoas.

A reunião era para se esclarecer e ser-se esclarecido sobre alguns temas que se consideravam importantes a serem apresentados.

Comparemos esta reunião com uma sala de aula. O professor deu início à aula, entrando num tema não previsto no sumário, tornou-se chata, incómoda e desinteressante para alguns dos alunos, fazendo com que estes não ouvissem, apesar de terem ouvidos, e perdessem a atenção. Verdade que o professor conduziu erradamente esta primeira aula. No decorrer da “lição” tendo tido a percepção de que estava a perder a aula e se tinha desviado do sumário, fez uma tentativa de introdução do tema previsto, mas logo se ouviu uma voz como que acabada de acordar,

 - não, se é para falar de assuntos pessoais eu saio.

Seguiu-se o burburinho típico dos alunos, cábulas, que logo aderem a este tipo de iniciativa. Ela ouviu mas não escutou, e fez com que todos os outros lhe seguissem o caminho. O professor insistiu e voltou a introduzir o tema, dirigindo uma pergunta a uma das “alunas”. Silêncio, esta “aluna” não deve ter ouvido nem escutado, talvez porque não lhe interessava a pergunta ou não sabia responder. Os outros cochichavam para distrair o professor. Dando-se conta que estava a perder a aula, o professor retomou o tema inicial. Fez a sua exposição, e quando concluiu a lição apresentando a solução, eis que, uma aluna, atira uma “bola” para o meio da sala, como sugestão de solução do problema. Se durante a lição o professor expôs o problema, no final apresentou a solução. Esta aluna estava a dormir certamente, porque se estivesse acordada, teria ouvido e escutado a solução. Porque nenhum dos alunos, à excepção de um ou dois, ouviu a solução, agarraram-se à bola e todos diziam,

 - a bola é minha,

- a bola é minha,

- a bola é minha…

o professor não concordando com a “bola” atirada, a custo, ainda disse,

- não, essa proposta não é válida eu já apresentei a solução.

Porque o que os alunos queriam era divertirem-se embora estivéssemos na primeira aula depois da pandemia, mandaram calar o professor, dizendo,

- ou jogas o nosso jogo ou ficas sozinho.

O professor que não é daqueles que se intimida na primeira “ameaça” ainda insistiu,

- esse não é o meu jogo, eu não vou jogar esse jogo.

Não adiantou nada, os alunos, sendo a quase totalidade alunas, à excepção de um aluno, nem deixaram o professor terminar a aula, levantaram-se e começaram a sair da sala, convencidas que a proposta era a solução para o problema, nem se despedirem – até à próxima aula. Tendo a capacidade de olhar não viram que em vez de uma proposta de solução fizeram uma proposta de problema, e por não terem visto não repararam nos danos colaterais que a proposta vai provocar.

Porque tendo a capacidade de ouvir, não ouviram nada do que foi a lição e como não ouviram não escutaram os apelos incessantes do professor.

Esta é uma história real, não fictícia. Aos verdadeiros professores, porque eu não o sou, desejo sinceramente um óptimo início do ano lectivo com os desejos que não haja nenhuma “bola” em plena sala de português, matemática, história ou a que seja. Aos alunos que não se esqueçam que os jogos e as bolas são para se jogarem nos recreios ou nas aulas de educação física.