domingo, 6 de setembro de 2020

Ensaio sobre a surdez e sobre a cegueira

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

(José Saramago)

Se podes ouvir, ouve. Se ouves, escuta.

(isidro Santos)

Esclarecimento

O texto que se segue não é uma tentativa de plagiar os autores de “Ensaio sobre a cegueira” do prémio Nobel – José Saramago e tão pouco outros autores que escreveram os “Ensaios sobre a Surdez” – José António Arruda e o maestro António Vitorino de Almeida, longe de mim, pretender equiparar-me, a tão nobres autores.

Após as “férias” prolongados devido à pandemia e ao medo intrínseco, ainda latente, de se ficar infectado com o covid 19 e cumpridas todas as medidas de desinfecção dos locais, distanciamento de no mínimo dois metros, gel desinfectante à entrada do recinto e utilização de “açaimo humano”, reuniram-se no dia três de Setembro, numa sala suficientemente grande, umas treze ou catorze pessoas.

A reunião era para se esclarecer e ser-se esclarecido sobre alguns temas que se consideravam importantes a serem apresentados.

Comparemos esta reunião com uma sala de aula. O professor deu início à aula, entrando num tema não previsto no sumário, tornou-se chata, incómoda e desinteressante para alguns dos alunos, fazendo com que estes não ouvissem, apesar de terem ouvidos, e perdessem a atenção. Verdade que o professor conduziu erradamente esta primeira aula. No decorrer da “lição” tendo tido a percepção de que estava a perder a aula e se tinha desviado do sumário, fez uma tentativa de introdução do tema previsto, mas logo se ouviu uma voz como que acabada de acordar,

 - não, se é para falar de assuntos pessoais eu saio.

Seguiu-se o burburinho típico dos alunos, cábulas, que logo aderem a este tipo de iniciativa. Ela ouviu mas não escutou, e fez com que todos os outros lhe seguissem o caminho. O professor insistiu e voltou a introduzir o tema, dirigindo uma pergunta a uma das “alunas”. Silêncio, esta “aluna” não deve ter ouvido nem escutado, talvez porque não lhe interessava a pergunta ou não sabia responder. Os outros cochichavam para distrair o professor. Dando-se conta que estava a perder a aula, o professor retomou o tema inicial. Fez a sua exposição, e quando concluiu a lição apresentando a solução, eis que, uma aluna, atira uma “bola” para o meio da sala, como sugestão de solução do problema. Se durante a lição o professor expôs o problema, no final apresentou a solução. Esta aluna estava a dormir certamente, porque se estivesse acordada, teria ouvido e escutado a solução. Porque nenhum dos alunos, à excepção de um ou dois, ouviu a solução, agarraram-se à bola e todos diziam,

 - a bola é minha,

- a bola é minha,

- a bola é minha…

o professor não concordando com a “bola” atirada, a custo, ainda disse,

- não, essa proposta não é válida eu já apresentei a solução.

Porque o que os alunos queriam era divertirem-se embora estivéssemos na primeira aula depois da pandemia, mandaram calar o professor, dizendo,

- ou jogas o nosso jogo ou ficas sozinho.

O professor que não é daqueles que se intimida na primeira “ameaça” ainda insistiu,

- esse não é o meu jogo, eu não vou jogar esse jogo.

Não adiantou nada, os alunos, sendo a quase totalidade alunas, à excepção de um aluno, nem deixaram o professor terminar a aula, levantaram-se e começaram a sair da sala, convencidas que a proposta era a solução para o problema, nem se despedirem – até à próxima aula. Tendo a capacidade de olhar não viram que em vez de uma proposta de solução fizeram uma proposta de problema, e por não terem visto não repararam nos danos colaterais que a proposta vai provocar.

Porque tendo a capacidade de ouvir, não ouviram nada do que foi a lição e como não ouviram não escutaram os apelos incessantes do professor.

Esta é uma história real, não fictícia. Aos verdadeiros professores, porque eu não o sou, desejo sinceramente um óptimo início do ano lectivo com os desejos que não haja nenhuma “bola” em plena sala de português, matemática, história ou a que seja. Aos alunos que não se esqueçam que os jogos e as bolas são para se jogarem nos recreios ou nas aulas de educação física.  

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