Sou adaptativo aos
locais, às situações e às pessoas. Não fico “agarrado”. Penso que não sou
saudosista. Ontem, numa deslocação rápida à minha cidade de Elvas e porque
estava próximo, deu-me vontade de calcorrear os espaços que são “tão meus”. A estrada de Santa Rita, as
ruas do jardim municipal. Habituei-me a conhecê-lo. Nasci e morei numa das casas
que já não existem, onde hoje está uma magnífica moradia, por baixo do lagar de
Santa Rita. O conjunto de casas era designado por Santa Rita. O espaço
adjacente às casas pega com a quinta do Salvador e com o lagar de Santa Rita.
Em frente, ficava a quinta do Bispo, hoje não existente, apenas se mantém a
residência do poeta António Sardinha.
Não pude evitar ver o ribeiro, hoje não existente, que ladeava e atravessava a
estrada de Santa Rita. Vi o tanque rasteiro, de água cristalina, que escorria
da cascata da quinta do bispo, onde a minha mãe e irmãs, junto com as outras
vizinhas lavavam a roupa, há muitos anos já entaipado, ao mesmo tempo que entaiparam o ribeiro. Vi a roupa a corar ao sol. Vi os acampamentos de
ciganos, sempre havia ciganos nas margens do ribeiro. Ah! Não me venham com
essa da nova moda da xenofobia e do racismo. Cresci junto com ciganos, com
tendeiros, brinquei e briguei com eles e elas, vivíamos juntos. Fomos amigos. Vi-os
chegar e partir, raramente estavam mais que uma semana seguida, talvez para
darem lugar uns aos outros. Deslocavam-se em carroças puxadas por mulas e
machos e deixavam sempre impecavelmente limpo todo o espaço que utilizavam. Eram
bons vizinhos. Se para nós eles eram e são ciganos, para eles nós somos "gaios" acho que era este o termo que nos designava, já não me lembro com exactidão. Se alguém souber que o diga não me sinto ofendido por isso.
Vi as manadas, de gado bravo, a subirem a estrada de Santa Rita, com os guias/avisadores à frente e à distância, a avisarem os residentes que a manada estava a chegar, que nos metessemos em casa. Eu espreitava do portão, uma e outra vez, as vacas ou os toiros chegavam-se lá, e apesar do portão estar fechado " oh pernas pra que te quero". Era um espectáculo sempre que uma manada de vacas ou um rebanho de ovelhas enchia aquela estrada, a avenida António Sardinha e as estradas por onde circulavam na deslocação de uma herdade para outra.
Hoje, ao ver estas
imagens sinto alguma nostalgia. Velhice deve ser. Vi os as fontes a jorrar água todo o ano e onde tantas e tantas vezes, fui encher os cântaros de barros
e os baldes de zinco. Lembro-me dos baldes de zinco porque mesmo vazios pesavam
pra c…
Não me lembro de baldes
de plástico. Essa água servia para tudo, para beber, para fazer comida, para os
animais, para regar as flores e a pequena horta que fazia. Adorava cavar a
terra, semear as alfaces, as couves, as nabiças, os coentros a salsa, os
espinafres…para tomar banho, uma vez por
semana d’inverno, num enorme alguidar de zinco, ainda hoje o guardo...de verão tomava-se mais vezes, podia-se tomar banho de
água fresca e se ela era fresca…. Sim, não havia água canalizada. Vi a minha
infância, a adolescência e o jovem adulto. Era feliz e não sabia. Baah! Eu não sou saudosista, mas que bateu
saudade, bateu!.
Mas ia-lhes falar do
jardim municipal.
Era um espaço meu
também. Atravessava-o para ir para a escola primária. Escola de Santa Luzia, isto
quando subia a estrada de Santa Rita. Amiúdes vezes, percorria o muro que
separava a quinta do Salvador da minha casa que pegava pela parte de trás com o
recreio da escola. Pode-se dizer que vivia na escola. Quase sempre era o
primeiro a chegar ao edifício masculino, porque só havia dois, o masculino e o
feminino e a cantina. Chegava antes dos contínuos, sim, era assim que eram
chamados e por ser o primeiro e levar muito tempo à espera chamavam-me o “galo da madrugada”. Talvez por isso,
ainda hoje, detesto chegar atrasado, detesto que esperem por mim e não suporto
esperar pelos outros. Não tenho memória de alguma vez ter chegado atrasado onde
quer que fosse.
Já me perdi de novo.
Voltemos ao jardim.
Ao bater com os olhos
na parede com o gradeamento e os pesados portões, veio-me à memória,
consequência de acumular anos, que há muitos e muitos anos, também aqui na
cidade de Elvas houve umas “inteligências”
que quiseram derrubar toda a “muralha”
que circunda o jardim, defendendo que o espaço devia ser de acesso livre.
Felizmente houve uns burros, também os há, que se opuseram e ganharam os burros à inteligência. Não pude deixar, de fazer
a comparação, com a cidade na qual vivo actualmente, Portalegre. Os burros aqui
não são ouvidos. Bom, se calhar têm razão, “vozes
de burro não chegam ao céu”. Deve ser por isso que se vive no inferno.
Não fiquei feliz com o
estado em que se encontra um espaço que é tão meu, que é tão nosso dos Elvenses.
A câmara do telemóvel
filmou as imagens que vos deixo.
Os meus olhos, da
memória naturalmente, viram um jardim impecavelmente limpo. Vi as equipas de
jardineiros, dos quais faziam parte o Sr Zé, o meu tio Lourenço, o meu tio Zé,
o meu tio João e outros que já me esqueci o nome. Vi-os debruçados sobre os
canteiros, canteiros que eram autênticas peças de arte.
Os da minha geração
certamente lembram-se, todos os canteiro tinham uma moldura. Eram assim
constituídos:
tinham uma moldura de
areia, seguida de outra de relva e no centro as flores. Sempre havia flores,
próprias de cada estação. Quem não se lembra da rua dos liláses e do seu cheiro
inebriante.
O parque infantil, era
cercado com uma sebe de bucho e a entrada era paga. Lembro-me dos cinco tostões. Havia um campo de
patinagem, sempre cheio, um campo de barcos, as cadeiras de baloiço, a roda com
os cavalos o escorrega, as argolas, a barra, o vai-e-vem, não sei se me esqueci
de algum…
Hoje o parque infantil
não é pago e é o que se vê. Não existe campo de patinagem. Na entrada norte,
havia um imenso lago que deu lugar a um campo. O cinema ao ar livre deu, há já
muitos anos, lugar aos campos de ténis. Junto à entrada sul onde eram os
lavadouros, e que praticamente toda a cidade se deslocava para lavar a roupa,
hoje, é o campo desportivo com um anfi-teatro.
Subi ao "pico", já fora do jardim, chamava-se assim porque nos picávamos devidos aos cardos e outras ervas, quando nos sentávamos no chão para ver os filmes de "cóbois" e os filmes melodramáticos indianos, num gigantesco "ecrám" por não queremos pagar bilhete. Mesmo neste local, imperava o respeito e o silêncio quando os filmes iniciavam.
O gigantesco "ecrám" ficou lá, mesmo depois das alterações. Para memória futura...
Não tenho nada contra
estas alterações/melhorias, porque muitas das antes existente, por força dos
modernismos, deixaram de fazer sentido.
Já quanto ao estado de
limpeza e conservação tenho muito a dizer. Os meus olhos, os da memória, nunca
viram um jardim tão sujo e não me
venham com a desculpa que as folhas caem, sempre caíram e nunca as vi no chão.
Os canteiros tinham flores, sempre, em todas as estações. Hoje, as flores que
os meus olhos viram foram as “azedas”
e as ervas. Nem relva há, apenas erva.
Os lagos sempre tinham água, peixes e patos e eram limpos todas as semanas.
Quem não se lembra da
rua das palmeiras? Hoje inexistentes, foi doença, certo, mas não podiam já
terem sido substituídas?. O jardim municipal, o espaço que é tão meu, o espaço
que é tão nosso, o espaço que é tão bonito merece um cuidado melhor.
O espaço envolvente do
palácio da justiça que os meus olhos viram também era cuidado pelos mesmos
jardineiros, Hoje, o que os meus olhos viram e a câmara regista para a
posteridade é um espaço degradante, cheio de ervas.
Infelizmente, tenho de reconhecer que os espaços do jardim e do palácio da justiça, estão em pior estado de limpeza e conservação, comparados com os parques da corredoura e avenida da liberdade de Portalegre.
Tenho esperança que os burros de hoje, à semelhança dos burros de
outrora, exijam a quem de direito, a dignificação de tão emblemáticos
espaços numa cidade que é património mundial.
Desafio a quem tiver
fotos dos tempos da memória que as publique seria “giro” todos recordarmos.
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