sexta-feira, 7 de abril de 2023

Memórias do Cota - Admissão à Guarda (GNR)

Estamos no ano da graça, de mil novecentos e oitenta e um, (1981) mês de Março, tenho por esta altura vinte e dois anos.

Tinha terminado a dezoito de Dezembro de mil novecentos e oitenta, (1980) o serviço militar obrigatório.

Estava parado, sem nada que fazer, sem nenhuma ocupação e sem nenhum rendimento. Os dias sucediam-se uns à frente de outros e nada acontecia para alterar esta situação. Tinha necessidade precisamente do contrário, de estar ocupado, ainda hoje tenho essa necessidade, e sobretudo de ter um rendimento que me sustentasse.

Se a memória não me falha muito, creio que estávamos no meio de Março, ao cruzar-me numa das ruas da cidade de Elvas, rua de Alcamim, com uma amiga e ex-colega de escola, que já estava “assegurada”, trabalhava no registo civil de Elvas, lamentei-me desta minha inactividade e falta de perspectivas de futuro.

- Acabei a tropa no final do ano. Não sei que hei-de fazer agora.

- Porque não concorres à guarda? (GNR). Como sabes o meu pai é lá cabo, (Cabo Manteigas) vai ter com ele e diz-lhe que estivemos a falar.

Como eu mais tarde vim a aprender, um Cabo da GNR por estes anos, era um Senhor. Quero com isto dizer que em muitas localidades era a AUTORIDADE. Respeitado e obedecido por todos. Os ciganos, repito! os ciganos, sem medo das palavras, tinham um respeito incomensurável aos guardas em geral e aos Cabos em particular e na mesma medida eram por estes respeitados, o que não impedia que uma ou outra vez, se tivesse de empregar a força para fazer cumprir algum preceito legal. .

Infelizmente tal deixou de acontecer.  

Embora me tenha “dado bem” na tropa, nunca me imaginei a seguir a vida militar, pese embora, tenha recebido incentivos por parte se superiores hierárquicos, para seguir esta carreira profissional.

O “bichinho” da conversa entrou na minha cabeça, começou de imediato a fazer ninho, fazia sentido, porque não? o que é que tinha a perder? quanto muito, tinha era a ganhar.

Não dei tempo a que ele abandonasse o ninho. Dou comigo a dirigir-me ao posto da GNR que, por esta altura, estava sediado na Rua de São Lourenço em plena cidade de Elvas, a dois passos da rua de Alcamim.

Era um edifício velho, entrei, não havia ninguém no hall de entrada, subi as escadas e bati a uma porta que se encontrava semifechada, podia dizer semiaberta, mas não, o modo como eu via todas as portas eram fechadas.

Apareceu-me um guarda, disse a medo.

- Quero falar com o cabo Manteigas.

- O que é que você quer falar com o cabo Manteigas?

Hesitei, apesar de ter sido militar, acho que as minhas pernas tremiam.

O bichinho que estava na minha cabeça, falou por mim.

- É um assunto particular.

O guarda, virou-se ligeiramente de lado, sem ter saído da minha frente, gritou para a sala contígua.

- Cabo Manteigas chegue lá aqui, está aqui um fulano que quer falar consigo.

Da outra sala oiço alguém pronunciar.

- Só um momento, já vou.

Os minutos de espera, poucos, ou quase nenhuns, pareceram-me uma eternidade.

Por fim apareceu o Cabo Manteigas, pessoa que eu conhecia pessoalmente, por ter frequentado a casa dele, e ter dado “explicações” de geometria descritiva à filha e minha ex-colega de escola, que se queria apresentar a exame externo, para completar o sétimo (7º) ano do liceu, correspondente aos dias de hoje ao 11º.    

Muito afável, cumprimentou e perguntou-me.

- O que é que o traz cá?

- Estive a falar com a Graça, e ela sugeriu-me que viesse falar consigo “pra” “meter os papéis” “prá” guarda.

- Oh! Que boa ideia, é já. Espere só um pouco.

Dirigiu-se a um armário onde guardava os formulários, voltou logo depois com uma série de folhas A4.

- Sente-se aqui nesta secretária e vá preenchendo. Se tiver dúvidas pergunte.

- Obrigado.

Sentei-me e comecei a preencher as folhas, não me lembro se tive dúvidas no preenchimento, mas devo ter tido…

No final entreguei-lhe as folhas, ele verificou, e disse:

- Está tudo devidamente preenchido. Aguarde que há-de receber uma notificação, para se apresentar numa Unidade da Guarda para fazer exames de admissão.

Naquela altura, as forças policiais, tinham de informar sobre a “conduta de cidadão” não sei se era este o termo correto, mas não devia ser, já que este me ocorreu agora, mas o que se pretendia era que todo o candidato à guarda, e não só, extensível a todo o sector do estado, tinha de ter uma informação de qual era o seu comportamento na sociedade e só seriam aceites, como candidatos, os que tivessem “a folha limpa”.  

Despedi-me com um

- Muito obrigado.

Naquele tempo, não esqueçamos que estamos em 1981, não haviam “concursos públicos” para admissão ao serviço do estado.

As candidaturas à guarda estavam ininterruptamente abertas, embora as provas de admissão, escritas, médicas e físicas, obedecessem como é natural a uma calendarização.

(esta história tem seguimento)    

 

 

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