quarta-feira, 10 de maio de 2023

Memórias do Cota - Instrução militar/Vida de Recruta

 

Sou o segundo a contar da direita

Após o dia da incorporação, no dia seguinte, cinco de Setembro de mil novecentos e setenta e nove, pelas 07h30, depois de tomado o pequeno almoço, já o descrevi na página anterior, teve início a instrução militar.

Pertencia ao 4º pelotão com o número 648, a partir deste dia deixámos de ter nome e éramos chamados e conhecidos pelos respectivos números.

Ainda tenho, mais ou menos, relativa boa memória, mas sempre senti dificuldade em “guardar” nomes das pessoas por muito tempo. Infelizmente, não me lembro do nome de nenhum camarada que comigo compartilhou esta vivência. Talvez porque sempre fomos um número… sei lá.  

Ao invés, penso ainda recordar o nome do comandante de pelotão, aspirante miliciano Prezado, natural de Estremoz, quanto ao furriel e ao cabo, por mais voltas que dê neste “disco rígido”, não encontro nada, apagou-se por completo, azar…ainda não havia a tal “nuvem” que guarda tudo. Mas, tenho memória de terem sidos excelentes seres humanos, exigiam o que tinham de exigir, naturalmente também porque exigiam deles, mas sempre “dentro dos limites”.

A instrução militar, como o próprio nome indica, tinha a ver com a vida de um futuro militar. Ordem Unida, marchar muito, marchava-se em passo de corrida para tudo e para nada. Quedas na máscara, consistia em se ir em formação de ataque, composta por uma secção, que são duas esquadras no total de onze homens, e reforço homens, porque naquela altura, ainda não havia mulheres no exército. Hoje serão onze militares ou onze pessoas de género indefinido? armamento, tínhamos de conhecer as armas e o seu funcionamento, a famosa G3,  e outras, desmontar, limpar e voltar a montar. Tiro efectuado na carreira de tiro do Falcato. Será que esta carreira de tiro ainda existe? Educação física, toda e mais alguma…legislação como o RDM – Regulamento Disciplinar Militar e CJM - Código de justiça militar. As unidades e regiões militares existentes, ah! naturalmente os postos (graduações) militares, primeiros socorros, enfim uma panóplia de coisa que tinamos de saber.

Quase no final da instrução que durava mais ou menos três meses de “vida dura” vinha a tão “desejada” semana de campo.  

Consistia esta “semana de campo” na ida para o campo, num imaginário “teatro de guerra”. Felizmente para todos nós a guerra nas ex. colónias ultramarinas já tinha terminado. Havia sempre um inimigo que invadia Portugal, se a memória não me falha eram sempre os espanhóis. Resquícios e medos do passado. Naturalmente ganhávamos sempre, ou seja os espanhóis continuavam a ser derrotados…pudera…eles nem apareciam…uns pelotões faziam de inimigo e outros de patriotas e assim se “brincava” às guerras.

Mas nisto somos bons, enganarmo-nos a nós próprios e pior ainda, deixarmo-nos enganar. Acreditar que ganhamos sempre, mas quem ganha são os outros, os que nos manipulam…no ainda hoje “teatro político”. Podemos continuar com manifestações, comissões de inquéritos parlamentares, demissões ou exonerações fictícias, que tudo isto não passa por ser apenas, “uma semana de campo”. Só que neste caso quem treina, brinca, são eles, políticos que, a cada dia estão mais espertos.

Ainda me lembro, a minha semana de campo foi invernosa. Choveu de dia e de noite. Andámos sempre ensopados. Dormíamos três recrutas, numa tenda que armávamos com três panos de tenda, tipo índio. Na “minha tenda” em vez de dormirmos três dormíamos quatro, talvez por eu ser tão magro que não ocupava espaço… O motivo foi outro, depois conto.

Não guardo má memória deste lapso de tempo da minha vida, para ser sincero, “até gostei”.  


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