domingo, 14 de maio de 2023

Pedaços de mim - Instrução Militar/Vida de Recruta (II)

A partir desta publicação, o título destas crónicas passa a chamar-se "Pedaços de mim" 

No decorrer da instrução militar, ainda durante a recruta, e de acordo com as aptidões que cada um vinha demonstrando éramos seleccionados para mais tarde frequentarmos as especializações, dentro da arma de infantaria.

Talvez porque o comandante de pelotão, aspirante miliciano Prezado, era apontador de morteiro, e porque esta especialidade requeria conhecimentos de matemática e geometria, queria que eu fosse para esta especialidade.

Acontece que em mil novecentos e setenta e seis, tinha eu dezassete anos, o mais novo do curso, os outros eram já pessoas “bastante” adultas, por minha iniciativa e vontade, frequentei durante uns meses, não sei precisar quantos, um curso de primeiros socorros ministrado pela Cruz Vermelha Portuguesa – Centro Técnico de Socorrismo. Curso que adorei, talvez porque, durante a frequência do mesmo, modéstia à parte, era bastante elogiado pelos instrutores e inclusive pelos próprios colegas, o que me motivava ainda mais a esmerar na técnica e no conhecimento em geral.  

Quando fui à inspecção militar em Évora, “tirar as sortes” era assim que se designava, em mil novecentos e setenta e oito, foi-nos entregue um formulário que tínhamos de preencher, quase tipo “curriculum vitae”. Nesse questionário/inquérito mencionei que tinha um curso de primeiros socorros. O resultado da inspecção militar foi, naturalmente, “Apto para todo o serviço militar”. Ou seja, a “sorte” era que teria de ser “tropa”.

Voltemos à recruta. Apesar de já estar “sentenciado” pelo comandante de pelotão que iria ser apontador de morteiro, tal não veio a acontecer.

O primeiro sargento enfermeiro Ramos? que era enfermeiro no quartel de São Paulo em Elvas, também queria puxar a “brasa à sua sardinha” o mesmo é dizer à sua especialidade “Socorrista”, vai daí, consulta as fichas individuais de cada um e descobre que eu já tinha a “especialização”.

A enfermaria/posto de socorros do quartel ficava numa das portas exteriores laterais, à porta d’armas com acesso directo da rua.

Num dia, quando o pelotão em marcha, passava em frente à porta, o primeiro sargento enfermeiro dirigiu-se ao comandante de pelotão.

- Meu aspirante, só um minuto, preciso falar consigo.

O aspirante olhou-o de alto a baixo, imagino eu, a pensar como é que um primeiro sargento se atrevia a interrompê-lo em plena instrução. Não deu ordem de “alto” mas dirigiu-se para mais perto do primeiro sargento.

Soube mais tarde, nesse mesmo dia, no fim do período da instrução que me devia dirigir ao posto de socorros.

Fiquei atónito e com medo, o que se passava? para ter de ir ao posto de socorros, já que eu não me tinha queixado de nada.

Conforme a ordem recebida dirigi-me ao posto de socorros. O primeiro sargento afável e simpático perguntou-me

- Tem algum conhecimento de primeiros socorros?

Eu com alguma vaidade, respondi,

- Sim tenho, frequentei um curso na cruz vermelha.

- Então, você é a pessoa indicada para vir para a especialidade de socorrista.

- Acho que não, o “nosso” aspirante já me disse que ia para apontador de morteiro.

- Deixe isso comigo, você não quer ser socorrista na tropa?

- Não me importava.

Quem não ficou satisfeito com esta proposta foi o aspirante, mas eu não era visto nem achado no assunto, nada fiz, nem sabia se podia ou não fazer, para ir para uma ou outra especialidade. Fui apanhado no meio.

Passados mais uns dias, o primeiro sargento pede novamente que eu e mais três camaradas fossemos ao posto de socorros.  

Tinha uma surpresa para nós. Fez dois pares, para “testar” as nossas eventuais aptidões para uma eventual especialidade de socorrista, não se contentou com menos, cada um de nós, teria de dar ao outro, na nádega, uma injecção subcutânea de água destilada.  

O nosso pavor reflectiu-se de imediato nas nossas faces, não sei se ficámos brancos, se pretos, se vermelhos, mas que o pavor se via, se sentia, e se cheirava isso era inegável. Nenhum de nós, até então, tinha mexido numa seringa e numa agulha, menos ainda espetá-la, literalmente, no cu do outro…

Não é para me gabar, para infortúnio meu, fui o único que espetou a agulha à primeira. O difícil foi acertar o buraco da seringa com o buraco da agulha, tremia por tudo que era lado, de lembrar que nenhum deste material era descartável. Houve água destilada com fartura, a escorrer pelo rabo e pernas de cada um. Os nossos rabos viraram “passadores” das vezes que foram espetados.

Terminada a recruta, apresentei-me no Hospital Militar de Évora para frequentar o curso na especialidade de socorrista com vista à promoção a primeiro cabo.   


 Antes de terminar o fim do prazo, fiz a reciclagem 

 

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