A partir desta publicação, o título destas crónicas passa a chamar-se "Pedaços de mim"
No decorrer da
instrução militar, ainda durante a recruta, e de acordo com as aptidões que
cada um vinha demonstrando éramos seleccionados para mais tarde frequentarmos
as especializações, dentro da arma de infantaria.
Talvez porque o
comandante de pelotão, aspirante miliciano Prezado, era apontador de morteiro,
e porque esta especialidade requeria conhecimentos de matemática e geometria,
queria que eu fosse para esta especialidade.
Acontece que em mil
novecentos e setenta e seis, tinha eu dezassete anos, o mais novo do curso, os
outros eram já pessoas “bastante” adultas, por minha iniciativa e vontade,
frequentei durante uns meses, não sei precisar quantos, um curso de primeiros
socorros ministrado pela Cruz Vermelha Portuguesa – Centro Técnico de
Socorrismo. Curso que adorei, talvez porque, durante a frequência do mesmo,
modéstia à parte, era bastante elogiado pelos instrutores e inclusive pelos
próprios colegas, o que me motivava ainda mais a esmerar na técnica e no
conhecimento em geral.
Quando fui à inspecção
militar em Évora, “tirar as sortes”
era assim que se designava, em mil novecentos e setenta e oito, foi-nos entregue
um formulário que tínhamos de preencher, quase tipo “curriculum vitae”. Nesse
questionário/inquérito mencionei que tinha um curso de primeiros socorros. O
resultado da inspecção militar foi, naturalmente, “Apto para todo o serviço
militar”. Ou seja, a “sorte” era que
teria de ser “tropa”.
Voltemos à recruta.
Apesar de já estar “sentenciado” pelo comandante de pelotão que iria ser
apontador de morteiro, tal não veio a acontecer.
O primeiro sargento
enfermeiro Ramos? que era enfermeiro no quartel de São Paulo em Elvas, também
queria puxar a “brasa à sua sardinha” o mesmo é dizer à sua especialidade
“Socorrista”, vai daí, consulta as fichas individuais de cada um e descobre que
eu já tinha a “especialização”.
A enfermaria/posto de
socorros do quartel ficava numa das portas exteriores laterais, à porta d’armas
com acesso directo da rua.
Num dia, quando o
pelotão em marcha, passava em frente à porta, o primeiro sargento enfermeiro
dirigiu-se ao comandante de pelotão.
- Meu aspirante, só um
minuto, preciso falar consigo.
O aspirante olhou-o de
alto a baixo, imagino eu, a pensar como é que um primeiro sargento se atrevia a
interrompê-lo em plena instrução. Não deu ordem de “alto” mas dirigiu-se para
mais perto do primeiro sargento.
Soube mais tarde, nesse
mesmo dia, no fim do período da instrução que me devia dirigir ao posto de
socorros.
Fiquei atónito e com
medo, o que se passava? para ter de ir ao posto de socorros, já que eu não me
tinha queixado de nada.
Conforme a ordem
recebida dirigi-me ao posto de socorros. O primeiro sargento afável e simpático
perguntou-me
- Tem algum
conhecimento de primeiros socorros?
Eu com alguma vaidade,
respondi,
- Sim tenho, frequentei
um curso na cruz vermelha.
- Então, você é a
pessoa indicada para vir para a especialidade de socorrista.
- Acho que não, o
“nosso” aspirante já me disse que ia para apontador de morteiro.
- Deixe isso comigo,
você não quer ser socorrista na tropa?
- Não me importava.
Quem não ficou
satisfeito com esta proposta foi o aspirante, mas eu não era visto nem achado
no assunto, nada fiz, nem sabia se podia ou não fazer, para ir para uma ou
outra especialidade. Fui apanhado no meio.
Passados mais uns dias,
o primeiro sargento pede novamente que eu e mais três camaradas fossemos ao
posto de socorros.
Tinha uma surpresa para
nós. Fez dois pares, para “testar” as nossas eventuais aptidões para uma
eventual especialidade de socorrista, não se contentou com menos, cada um de
nós, teria de dar ao outro, na nádega, uma injecção subcutânea de água destilada.
O nosso pavor
reflectiu-se de imediato nas nossas faces, não sei se ficámos brancos, se
pretos, se vermelhos, mas que o pavor se via, se sentia, e se cheirava isso era
inegável. Nenhum de nós, até então, tinha mexido numa seringa e numa agulha,
menos ainda espetá-la, literalmente, no cu do outro…
Não é para me gabar,
para infortúnio meu, fui o único que espetou a agulha à primeira. O difícil foi
acertar o buraco da seringa com o buraco da agulha, tremia por tudo que era
lado, de lembrar que nenhum deste material era descartável. Houve água destilada
com fartura, a escorrer pelo rabo e pernas de cada um. Os nossos rabos viraram
“passadores” das vezes que foram espetados.
Terminada a recruta, apresentei-me no Hospital Militar de Évora para frequentar o curso na especialidade de socorrista com vista à promoção a primeiro cabo.
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