domingo, 17 de janeiro de 2021

A Minha primeira vez ( parte II)


(continuação do "blog" anterior) 

Sempre fui tímido e introvertido, mas, ao mesmo tempo, com muita vontade de me desafiar e experimentar o “desconhecido”.

Nunca me considerei um aluno cábula, porque nunca o tinha sido até então, por medo, mas sentia uma vontade “ENNOORMME” de experimentar.

Por esta altura, 1971, havia um “expert” na matéria, ou pelo menos eu assim o considerava. Não havia teste em que o meu amigo António Pinto não “cabulasse”, desculpa Pinto a confissão, mas prometi contar. Normalmente o Pinto ficava na ala à minha direita e mais ou menos ao meu lado, embora com distância. Assim que os professores distribuíam os enunciados dos testes, era vê-lo a puxar da(s) cábula(s) e pô-las em cima da mesa. Eu tremia cada vez que via aquilo. Ele impávido e sereno. Copiava o que tinha a copiar, não era o único, mas é dele que eu me lembro porque foi ele o “culpado” da minha primeira vez.

Quando terminavam os teste e já fora da sala, perguntava-lhe como é que ele tinha coragem de puxar pela cábulas e coloca-las em cima da mesa. Ele, como ainda hoje é, calmo, sereno e bem disposto, dizia-me: - Isidro, ao contrário do que os professores dizem, nós podemos copiar, eles é que não podem ver. Assim de simples.

Tantas vezes vi aquela destreza que, um dia decidi experimentar também a “ minha primeira vez”.

Também eu fiz uma cábula, não foi a primeira, mas foi a primeira que utilizei.

Uma pequena folha de bloco do tamanho da palma da minha mão, escrita a lápis, com letra muito pequenina, como deve ser uma boa cábula, para caber o máximo possível. Matéria: lei de Ohm, Lavoisier e outras que na altura se estudavam. Sabíamos que estas leis viriam no teste, propositadamente não as “encornei”, termo por nós utilizado e penso que ainda em utilização pelos estudantes de hoje. Queria ter a coragem de me inaugurar na “minha primeira vez” e sabia que esta seria a única maneira, tinha consciência que se não conseguisse era “nega” no teste.

A sala do “teste” para além da descrição feita anteriormente, tinha um enorme estrado junto do quadro onde se situava a secretária do(a) professor(a). Dessa secretária era visível toda a movimentação da sala por mais imperceptível que parecesse ser.

A professora Elvira Barroso, como sempre, percorreu a sala distribuindo os enunciados do teste. Logo que recebi o meu, estando ela de costa para mim, e na distribuição do enunciado seguinte, enchi-me de coragem, meti a mão no bolso do casaco e tirei a cábula. Ela continuou na distribuição dos restantes. Logo que terminou a distribuição, como era seu hábito, sentou-se à sua secretária a corrigir os testes da turma anterior. Normalmente os testes eram os mesmos, porque eram feitos a seguir umas turmas às outras, sem qualquer hipótese de conversarmos antes sobre o que vinha no teste.

À minha frente estava um colega que vestia capote, braços abertos a escrever, o que significava, encobrir-me de alguma forma, da visibilidade da professora.

Fiz o que sabia fazer, os problemas especialmente, tendo deixado para o fim as definições, o mesmo é dizer as “leis”.

Com a cabeça inclinada sobre o teste, olhei de soslaio, para aferir a posição da professora. Continuava sentada à secretária a corrigir testes.

A cábula que já estava na mão desde o início, coloquei-a no tampo da mesa, junto ao teste e do lado esquerdo. Copiei todas as definições. Estava tão “seguro de mim” que até me esqueci da professora, quando de repente, me apercebi que ela estava a caminhar em direcção a mim.

O medo foi tanto que o “climax” foi atingido. Não, não aconteceu o que estão a pensar, mas podia ter acontecido…

Assim que me apercebi que a professora estava a um passo de mim, coloquei a mão em cima do papel e fechei-a. O papel cantou: - rahahrahh!

Pensei, já foste apanhado, com o barulho que o papel fez. Atingi o “climax” as minhas pernas tremiam, que nem varas verdes. Os pés estavam assentes nas travessas da mesa, não chegavam ao chão, olhei para os meus joelhos e só os via subir e descer, a minha mão direita tremia visivelmente. Concentrei-me, implorando calma a mim mesmo. Deixei de escrever, fingindo que estava a ler o que acabara de escrever, finquei o bico da caneta na folha do teste, com toda a minha força a fim de parar de tremer, fiz mesmo um buraco na folha de teste. Finquei os pés na trave da mesa quase pondo-me de pé para que os joelhos parassem de subir e descer. Não conseguia parar de tremer. Como já tinha terminado o teste, decidi entregá-lo de imediato e sair da sala. Felizmente não fui “apanhado”, a professora não percebeu nada, não percebeu mesmo, porque se tivesse visto o mais leve indício de copianço, imediatamente me tinha retirado o teste, anulando-o e mandando-me sair da sala. Já tinha assistido a expulsões em outros testes.

Não se brincava com a professora Elvira Barroso nem com qualquer dos outros.

E pronto esta foi a “minha primeira vez”, estavam à espera que vos contasse o quê?
Aguardo a vossa primeira vez

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